Segredava-lhe ao ouvido bem alto:
- Mãe.
Respondia suavemente, o som desvanecia-se e demorava pelas escadas, pesados degraus, o soalho rangia com a força dos tamancos que se tornaram duros, imbuídos pela passagem gradual do tempo. Não sei bem se respondia. Perdi bastante cedo a minha mãe, deixei de ouvi-la, mas o som continuava suspenso no ar, procurando um ouvido. Os traços dela foram-se perdendo ao longo dos anos, apenas ficava uma imagem turva, lívida, sem importância alguma que ressoava nos cantos enfraquecidos da minha mente. Enfraquecidos porque necessitamos que as palavras encontrem os nossos ouvidos. Enfraquecidos porque já não estamos no andar de cima, não temos força para subir os degraus que se tornaram infinitos.
- Mãe.
Qual mãe qual quê. Já nem sei o que é ter uma mãe. Já não sei para que serve nem o que diz, nem as suas palavras quando jantávamos os dois sozinhos. Já nem sei se conversávamos futilmente, pendurados no silêncio das palavras, ou então silêncio profundo, nem palavras fúteis, nem nada. O nada existe? O nada não será a ausência de palavras, de sons, de objectos? Sozinhos, connosco no nosso canto divagando inutilmente através dos recantos mágicos da nossa memória. Grande parte da nossa memória é feita de imaginação, ligamos factos e acontecimentos que por si só não significam coisa alguma. E então criamos imagens irreais, surrealistas, dicotomias que deixam de ser contrastes e se relacionam alcançando a perfeição momentânea, esmorecendo-se logo de seguida num reboliço de nevoeiro que progressivamente nos invade.
Agora gritava:
- Pai.
Porque não o tenho, porque precisava dele. É algo que está entre nós e a morte. Passamos a ser nós na ponta da mesa. Velhinho grisalho, uma interrupção súbita da vida deixou-me isolado. Decididamente que a morte é uma puta.
- Mãe.
Respondia suavemente, o som desvanecia-se e demorava pelas escadas, pesados degraus, o soalho rangia com a força dos tamancos que se tornaram duros, imbuídos pela passagem gradual do tempo. Não sei bem se respondia. Perdi bastante cedo a minha mãe, deixei de ouvi-la, mas o som continuava suspenso no ar, procurando um ouvido. Os traços dela foram-se perdendo ao longo dos anos, apenas ficava uma imagem turva, lívida, sem importância alguma que ressoava nos cantos enfraquecidos da minha mente. Enfraquecidos porque necessitamos que as palavras encontrem os nossos ouvidos. Enfraquecidos porque já não estamos no andar de cima, não temos força para subir os degraus que se tornaram infinitos.
- Mãe.
Qual mãe qual quê. Já nem sei o que é ter uma mãe. Já não sei para que serve nem o que diz, nem as suas palavras quando jantávamos os dois sozinhos. Já nem sei se conversávamos futilmente, pendurados no silêncio das palavras, ou então silêncio profundo, nem palavras fúteis, nem nada. O nada existe? O nada não será a ausência de palavras, de sons, de objectos? Sozinhos, connosco no nosso canto divagando inutilmente através dos recantos mágicos da nossa memória. Grande parte da nossa memória é feita de imaginação, ligamos factos e acontecimentos que por si só não significam coisa alguma. E então criamos imagens irreais, surrealistas, dicotomias que deixam de ser contrastes e se relacionam alcançando a perfeição momentânea, esmorecendo-se logo de seguida num reboliço de nevoeiro que progressivamente nos invade.
Agora gritava:
- Pai.
Porque não o tenho, porque precisava dele. É algo que está entre nós e a morte. Passamos a ser nós na ponta da mesa. Velhinho grisalho, uma interrupção súbita da vida deixou-me isolado. Decididamente que a morte é uma puta.