domingo, 12 de outubro de 2008

Solidão II

Que vida é esta?
Que fuga permanente
Que desejo ofegante
Que intensidade majestosa
Que sentido há, que vida
É apenas um sentido desconhecido
Um sopro estendido e o coração
E as estrelas e as dimensões

Que deus é este?
Que nos deixa sozinho
Que nos abre ilusões
Que caia a esperança
Que finde o sentimento
Que cesse a certeza

Que me deixem sozinho comigo
Porque eu falo sozinho
Eu vivo sozinho
Eu escrevo sozinho!
E tremo de solidão

Com toda esta gente que me rodeia

domingo, 5 de outubro de 2008

Saudade

Arde incessante o meu coração
De tão cheio de solidão
Arde com fogo sem chama
No interior da multidão

Sem ninguém notar e eu imerso
Apago-me do universo
Ficam cinzas, espalha-se o fumo
Com vento de um só rumo

E quando chegar o fim
Alguém se irá lembrar de mim?
Ou tudo esquecido
Que fui tudo sem ter sido

Da luz brota escuridão
De saber que tudo em vão
Para quê esta luta
Se ninguém me pede perdão?

Sem pompa nem formalidade
Caiu em saudade.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Novelo

São recordações que me comovem
Como fios torcidos d’um novelo que se descosem
São lágrimas que deslizam
Com lembranças desgarradas que avisam
Quão solta anda esta mente jovem

Inúteis e supérfluas não serão de certeza
Colocadas por ordem de tristeza
As histórias passadas e vividas
Que deixaram marcas e dívidas
Num corpo imbuído em firmeza

Depois a vida vai passando
Mas as feridas vão ficando
Como cortes de navalha
Numa turbulenta e fatal batalha

Quanta melancolia tem o meu sorriso?
Ao tratar o passado que friso?
O novelo entorna-se e rebola quieto
E fico sem resposta a olhar o tecto

sábado, 27 de setembro de 2008

Q.C.A.C

Quando chegar aos cinquenta
Vou ter uma televisão
Que deixe de mostrar corrupção

Quando chegar aos cinquenta
Não vou ficar à espera
Da minha morte lenta

Quando chegar aos cinquenta
Vou-me desmontar
Nem uma peça irá sobrar

Quando chegar aos cinquenta
A minha alma vai engrandecer
Dos livros que não vou ler
Da saúde que não vou ter
E dos beijos que não vou receber

Quando chegar aos cinquenta
Vou andar mais devagar
Para te ficar a observar
O meu corpo vai ficar
Impávido e sereno a murmurar

Quando chegar aos cinquenta
O meu coração vai arder
E quando deixar de bater
Vou deixar de te entreter
E ficarás sozinha a entristecer

sexta-feira, 26 de setembro de 2008



Inteligência sem loucura, é como cigarro sem tabaco.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Quem Fez De Nós?

Quem fez de nós?
Quem criou tudo?
Quem deu e nada recebeu?
Quem fez levantar e permaneceu sentado?
Quem abriu os nosso olhos?
Quem iluminou e pintou?
Quem escreveu tudo sem ter escrito?
Quem manipulou o universo?
Quem começou a remar?
Quem construiu a canoa?
Quem fez de nós?

O outro quieto e eu a olhar
O único que via e resolvi não contar
Podia ser ilusão e não quis acreditar
Da vida até a morte um longo caminho
Por isso vou sozinho
Se me faltarem os pés, vou de joelhos
O que interessa é ir para não voltar
Cair torto e nu como viemos ao mundo
A cantar alto para ninguém escutar
Aquilo que vi ainda há pouco.
Ponto final nisto.

Parágrafo para começar
E eu ainda sem acreditar
Que foste tu que nos fizeste
Pergunta: Gostaste do que trouxeste?
Ninguém responde, porque tudo mudo

E eu não me calo, porque escrevo, agora em prosa porque de versos estou farto. Limita-me o espaço e eu preciso de espaço infinito, não mudo de linha sigo sempre em frente, nem olho para trás senão perigo de tombar e depois quem me ajuda?
Sou o único que fala, mas não me importo. Valho por muitos. Como disse ALA “Todos nós somos muitos” e eu acreditei. Todos nós somos muitos. Todos nós somos poucos para retribuir a quem nos criou. Por enquanto fico por aqui, porque se me adianto demais acaba-se o espaço e eu preciso dele infinito e eterno.

terça-feira, 23 de setembro de 2008



Mais vale a felicidade eterna do que o prazer momentâneo.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Às Vezes Nem Quero

Eu ontem caí e esqueci-me de levantar. Ainda hoje continuo caído precisamente no mesmo sítio. Nem um passo para trás nem um para diante. Nada. Queria ficar ali a espreguiçar-me e a sentir-me vivo. Por acaso é das coisas que menos tenho sentido, vida. Às vezes apetece-me fechar os olhos e quando os abrir ser amanhã ou outro dia qualquer, este é que não. Às vezes apetece-me viver o amanhã, começar de novo a partir do futuro. Reviver momentos que me empurraram para ser quem sou. O problema crucial é que para além de não ter um claro ponto de vista (nem claro nem escuro) sobre quem sou, não sei se fui vagueando em vez de aos tropeções. Não fui empurrado de certeza, vagueei até encontrar um caminho cheio de ambiguidades.
Às vezes, quase sempre, não quero atender o telefone. Quero que ele se aborreça a tocar para os ares, a ficar mudo de repente como se finalmente percebesse que ninguém o quer atender. Mas rezo para que depois não comece a lacrimejar. Mais barulho portanto e eu enraivecido, deixo escapar a mão e atendo. Um blá blá blá do outro lado que não entendo e sinceramente nem quero entender. Atendi sem querer. Olhei para o espelho meio de lado, como se olhasse para outra pessoa. Desliguei prontamente com monossílabos incompreensíveis para mim, mas que decerto compreendidos do outro lado, porque desligaram sem mais demoras. Desliguei-o da ficha, queria ver se um blá blá blá sem intenção voltaria a incomodar-me. Na realidade passaram-se segundos, minutos, horas sem que aquele horroroso toque impertinente e inadequado voltasse a transformar o silêncio tão natural, num ruído ensurdecedor.
Às vezes, quando somos crianças, temos sonhos praticamente inalcançáveis (mas não impossíveis) que gostaríamos certamente que fossem bem sucedidos. Esquecemos no entanto, por ignorância óbvia da falta de maturidade, do esforço que é necessário despender para o conseguir alcançar. Finalmente, numa fase mais avançada da nossa vida, acabamos por compreender as montanhas de trabalho que são necessárias. Como consequência directa, entristecemos ao som de qualquer música que diga precisamente o contrário. Depois modificamos rapidamente o patamar do nosso sonho e colocamo-lo um pouco mais abaixo na escala da possibilidade. De um momento para o outro, tudo parece fácil e a decisão está tomada. Amanhã será o primeiro dia na busca incessante por esse sonho.
Eu pelo menos tenho todo o tempo do mundo.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Fecho os olhos

Fecho os olhos. Dou por mim num mundo criado naquele preciso momento (quantos mundos são criados sem darmos por isso?), parecem luzes que se acendem e apagam num remoinho intenso. A única forma de ver o que a cegueira permite. E a cegueira permite ver tantas coisas. Há quem fique mudo e cego e continue a ver tanto como todos nós, a diferença senhores, é que quem escolhe ver, vê mas não observa e quem não vê, às tantas observa atentamente.
Um dia destes hei-de fechar os olhos durante o resto da minha vida, hei-de andar a tropeçar no meu próprio pé, convencido de que não é meu, é de alguém, alguém que passou e eu não quis ver. Quem era? Algum lunático que mais à frente lhe faltou o coração para uma etapa com tanta inclinação e deu-se consigo a desistir.
- Não posso mais
Experimenta fechar os olhos. Cria o teu mundo neste universo (são tantos) e quando subires a colina e chegares ao cume, verificarás que uma montanha bem mais alta se ergueu ao teu lado, à espera daquele que alvo de calúnias e perversidades toda a vida, consiga alcançar o seu cume.
- Duvido que assim seja
Mas assim é, assim foi e assim será.
Fechem lá os olhos, não parece que um pintor ocupou instantaneamente a nossa mente e desenhou, com as cores mais estapafúrdias, num fundo preto, o que o seu pincel permitiu?
- Duvido que assim seja
Não duvides por favor, crê antes de mais que o precário fim dos dias chegará quando tu decidires e não decidas já, isso seria cometer suicídio.
- Não posso mais

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Relembra o futuro encarando o passado.


"Quando sentirem que o mundo parou, avancem sozinhos"

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Bucólica manhã

Bucólica manhã apaixonada
Resplandecente tristeza movimentada
Tempestade recuando atrasada.
Nuvens escuras e carregadas desaparecem,
Ao som da tua flauta emocionada!

Que momentos! Que paixão!
Ousas deter-me por aversão?
Ou quererás amar-me por compreensão?
Dúvidas que se dissipam rapidamente,
Ao som da tua flauta, pois então.

Ardor que caminhava subitamente,
Que crescia apressadamente,
Deixando-me todo dormente.
Abraços e beijos inalcançáveis,
Ao som da tua flauta, urgentemente!

Perplexo, sem chão por onde caminhar,
Nem um único passo conseguia dar!
Só precisava de acreditar,
Que estavas ao meu lado,
Ao som da tua flauta a suspirar!

Tudo ganhou sentido,
Sem grande alarido,
Voltei a aceitar o teu pedido!
Ultrapassei a minha depressão,

Ao som da tua flauta, endoidecido!

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Acordarei?

Lá estava eu, o meu ser, o meu espírito dúbio esperando desesperadamente por uma conclusão que determinasse o porquê da minha existência. Lá estava eu no meu canto. Mudo, surdo, exausto, mas com a noção que recuperava rapidamente as minhas forças. Lutava dentro de mim com pontapés que se tornavam murros e murros que se tornavam simples contactos. Estava duro, imóvel, expelia sangue em todos os meus poros, mas não sentia a hemorragia nem conseguia estancá-la. Chorava compulsivamente, libertava paulatinamente tudo o que durante séculos me tinha atormentando. No entanto, pedia um novo corpo (desesperava), caía de joelhos uma vez, duas vezes, outra e outra...
Consegui finalmente fugir, sair daquele corpo agrilhoado a preconceitos e dogmas que me impediam, noite após noite, de viver em liberdade comigo mesmo. Percorri o mundo, mas voltei àquele quarto, tudo era tão simples, puro e bucólico. Seria mesmo preciso perder-me em horizontes inalcançáveis?
O corpo ainda continuava estendido, lívido e extenuado. Depois de ponderar, de percorrer o quarto no meio de uma intempérie criada pela falta de nuvens e pelo vento que não soprava, resolvi permanecer. Não poderia desejar a minha morte tão cedo. A missão que o destino me tinha reservado tinha de ser cumprida. Não poderia de forma alguma, chegar ao purgatório desmembrado e mutilado. Não fazia parte da minha condição de ser humano.
Aproximei-me de novo daquele corpo. Corpo sem alma nem espírito, não passa de um cadáver sem uma única memória que possa partilhar. É uma folha de papel que nunca chegou a ser folha, porque nunca foi escrita.
- Acorda
Um pressentimento, um presságio que se torna inútil mas ao mesmo tempo necessário. Acordarei. Que fazem falta aqueles que dormem acordados? Acordarei de um sono profundo sem um único sonho, sem uma única palavra. Vazio completo.
- Acorda
Agora tornava-se mais alto, mais majestoso. Acordarei quando o Mundo simultaneamente decidir acordar.

domingo, 11 de maio de 2008

Trabalho infantil? Não, obrigado.





Some things cost more than you realise.

Civilização

Uma mescla de indultos, papalvos e indigentes evoluem permanentemente para ocupar o patamar mais elevado da sociedade. Resta a nossa dignidade, a nossa confiança para lidar com o desrespeito ético e moral que é levado com a inconsideração e leviandade pelo comum dos cidadãos. Faltam martelos e estacas, faltam culatras e caçadeiras, faltam lutas e manifestações com o intuito de evitar a catacumba da nossa civilização.
É necessário abordar o Homem numa perspectiva diferente. A unidimensionalidade em que os cidadãos mergulharam chegou a um dos pontos mais críticos. O combate ainda está na mão do ser humano. No entanto, combatemos numa frente que não controlamos, mas que ajudámos a criar: a Natureza. Para além disto, confrontamo-nos com uma crise valorativa que não tem capacidade para detectar o problema. Será assim tão complicado?
Tenho reparado ao longo dos meus “pensamentos civilizacionais” que nós não funcionamos como seres humanos, mas como máquinas inseridas e controladas num impetuoso e magnificente sistema burocrático. Impedindo-nos de agir de acordo com os nossos princípios. Se os nossos princípios colocarem em causa de qualquer forma toda este sistema, somos fortemente castigados. Não nos abordam como gente.
Deixam-nos fatigados através do trabalho. Trabalho esse com o objectivo de enriquecer o Estado e a Civilização. Deixam-nos apavorados pela quantidade de notícias horrendas que passam diariamente nos “mass media”. Ocultam-nos a verdade através de campanhas mentirosas e exclusivamente propagandistas.
Amedrontar as pessoas, criando inimigos inexistentes, é uma boa forma de controlar a população. O medo é inimigo da acção. O objectivo subjacente a estas iniciativas é de criar um espírito de união em torno do Estado. O único capaz de salvar a nação.
Mas então que Estado é que queremos? Um Estado que propagande o sentimento do medo? Um Estado que falte à verdade?
É urgente abrir os olhos para a civilização Técnica Ocidental. É urgente colocar um ponto final neste constante retrocesso. É urgente expandir verdadeiramente a cultura e o saber. É urgente tomar posição, é urgente agir.
Se não foste educado desta forma, educa-te.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Segredava-lhe

Segredava-lhe ao ouvido bem alto:
- Mãe.
Respondia suavemente, o som desvanecia-se e demorava pelas escadas, pesados degraus, o soalho rangia com a força dos tamancos que se tornaram duros, imbuídos pela passagem gradual do tempo. Não sei bem se respondia. Perdi bastante cedo a minha mãe, deixei de ouvi-la, mas o som continuava suspenso no ar, procurando um ouvido. Os traços dela foram-se perdendo ao longo dos anos, apenas ficava uma imagem turva, lívida, sem importância alguma que ressoava nos cantos enfraquecidos da minha mente. Enfraquecidos porque necessitamos que as palavras encontrem os nossos ouvidos. Enfraquecidos porque já não estamos no andar de cima, não temos força para subir os degraus que se tornaram infinitos.
- Mãe.
Qual mãe qual quê. Já nem sei o que é ter uma mãe. Já não sei para que serve nem o que diz, nem as suas palavras quando jantávamos os dois sozinhos. Já nem sei se conversávamos futilmente, pendurados no silêncio das palavras, ou então silêncio profundo, nem palavras fúteis, nem nada. O nada existe? O nada não será a ausência de palavras, de sons, de objectos? Sozinhos, connosco no nosso canto divagando inutilmente através dos recantos mágicos da nossa memória. Grande parte da nossa memória é feita de imaginação, ligamos factos e acontecimentos que por si só não significam coisa alguma. E então criamos imagens irreais, surrealistas, dicotomias que deixam de ser contrastes e se relacionam alcançando a perfeição momentânea, esmorecendo-se logo de seguida num reboliço de nevoeiro que progressivamente nos invade.
Agora gritava:
- Pai.
Porque não o tenho, porque precisava dele. É algo que está entre nós e a morte. Passamos a ser nós na ponta da mesa. Velhinho grisalho, uma interrupção súbita da vida deixou-me isolado. Decididamente que a morte é uma puta.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Mil e uma folhas.

Mil e uma folhas rasgadas em cima da escrivaninha. Mil e uma, nem mais uma, nem menos uma. Mil e uma mesmo. Lá estavam quietas a ouvir os cães ladrar (porque ladram de noite quando tudo não passa de vento?) Os cães também não percebem o vento. Os cães não percebem nada. São como nós. Não percebem, mas ladram, porque têm de mostrar que até sabem. São como nós. As mil e uma folhas estavam empilhadas de tal forma que mesmo que tudo não passasse de vento, os cães continuavam a ladrar. Continuariam certamente. O que não faltam são cães a ladrar. E então as folhas estavam mal rasgadas. Agarrei um monte, não se quantas ao certo, talvez mil e uma? Não. Mil e uma não, porque ainda restavam três montes iguais ao que tirei. Tentava descortinar que palavras estariam escritas. Não percebia nada. Estavam mal rasgadas, mas estavam rasgadas o suficiente. Ao menos as palavras não são como o ladrar dos cães. Ou serão?
-Lavas-te mal os dentes.
Que importa os dentes, quando a noite cerrada transportava para o cimo da montanha a minha força?
-Lavas-te mal os dentes.
Faltava qualquer coisa que não encontrava em parte alguma, mas ouvia um sussurro inócuo. Então juntei o monte de folhas mal rasgadas, abri a janela e deixei que o vento, a única coisa que restava nessa noite, as levassem para perto dos cães que ladravam.
-Lavas-te mal os dentes.
A ideia continuava na minha pobre mente. Espíritos escondidos no imaginário contemporâneo de uma pessoa. Mas o quê? O vento parou, bolas. O monte continuava no parapeito da janela. Os cães deixaram de ladrar. Se calhar ladravam para o vento.
Assim como que do nada, um lírio branco soltou-se da paisagem, pairou lentamente puxado pelo vento que voltava a soprar, desta vez incessante. Queria ficar e não conseguia. Perdi a cabeça. Sim, perdi-a. Perdemos por muitas vezes a cabeça, custa, é pesada demais, às vezes descai, entorna-se, rebola quieta, permanece móvel. Depois recuperamos, a cabeça volta ao seu lugar, mas o lugar já não é o mesmo. O lírio branco também já não sabe onde está. Pertencia somente à paisagem, agora é como que um almocreve, nómada, numa casa que nunca lhe pertencia. Ou certamente dentro daquele armário cheio de coisas vazias. Naquela porta que teimava em estar fechada quando servia para estar aberta. Desdenhava, colocava por entre as pernas, com medo, pois eu sinto medo. A porta batia com tanta força. Recuperava o fôlego (qual fôlego?) Mas caminhava, umas vezes na direcção certa, outras vezes na direcção acertada. Sou eu que escolho o certo, o justo, o adequado. O resto não passa de lírios brancos arrastados pelo vento infernal, guiado pelo criador.
- Estou bem demais aqui! – Gritou ela, gritava porque a voz dela era baixa demais quando falava normalmente. Cruel, não sejas cruel, por favor. Não te vás embora. Alguma injustiça que cometi sem perceber? O curioso é que percebo sempre quando perpetro uma injustiça. Mas serão sempre injustiças e por contraste justiças? Parece tudo preto e branco, tem sempre de haver um ping e um pong.
- Vou-me embora.
Não vais, porque sabes que o caminho que estás a tomar, é o mesmo que o meu. És tão forte como dizes? Oculta lá essa tua faceta e dorme ao som do vento que parou, dos cães que cessaram de ladrar e dos lírios brancos que regressaram à paisagem.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Um verdadeiro espectro.

Um verdadeiro espectro, apenas um buraco negro envolto em densas trevas incandescentes e moribundas. Caminhava melancolicamente sugado constantemente pela força espontânea do olhar de quem não me queria ver. Perseguia o infinito e o impossível. Renascia das cinzas a qualquer momento, ocultava como queria quem queria, permanecia imóvel quando a mente descia e agarrava com todas as forças a decadência divina.
Um sonho esquecido que durou tempo demais e que acabou por se refugiar no inconsciente. Mas que coincidências são estas? Que força oculta domina desesperadamente a inteligência de um simples ser?
Então por fim, quando o meu esforço começou a ser insuficiente, refugiei-me em ti. Lá estava o teu corpo estendido, adormecido, perto das ondas que se limitam a trazer do fundo o pecaminoso. Caminhei em tua direcção, alheado de qualquer pensamento senão no poder que emanava do teu simples olhar.
Depois a beleza renasceu, a ternura, o carinho vingou por entre todos os espectros malignos. Quando se parte para nunca mais voltar, parte-se com a consciência de que os espectros foram vencidos. Parte-se com a esperança que nenhum deles possa dominar os restantes seres. Parte-se com a ideia de dever cumprido. Não importa o dever, não importa a forma como cumprimos. O que importa é que cumprimos. A legião que controlou em certos momentos o nosso destino, fraquejou.
-Qual o destino? Qual é o sinal de que tanto procuramos? – Questionei-a. Sabia que tinha a resposta para tudo.
-Não sei – Afirmou, sombria, longe de mim, longe da multidão por quem me tomava.
Somos uma verdadeira criança num labirinto sem fim.

terça-feira, 1 de abril de 2008

The Kite Runner



Como sempre acompanho as minhas mensagens com um video retirado do youtube. Desta vez calhou um trailer de um filme que vi precisamente ontem. Está absolutamente fabuloso. Daqueles obrigatórios. O papel do Hassan está divinal e ao mesmo tempo perturbador mas que nos toca lá no fundo. Fiquei com vontade de ir ler o livro, mas agora ando atarefado com Graham Green, a seguir "As Horas" de Michael Cunningham e depois António Lobo Antunes. Lá para o verão, leio e vejo de novo o filme.

Um dilema

Um dilema quase cru, nu à passagem da verdade mais bela. Sem movimento, sem busca nem procura. O simples dilema que permanece quando tudo muda à sua volta. Tornar o dilema humano para que não torne a cair na futilidade das coisas mais simples. Bom, o dilema quis, o dilema arrancou à força uma resposta. Uma resposta do mais complexo que existe não chegou. O dilema retrocedeu, abraçou outro caminho. O caminho da salvação. O sentido intrínseco do dilema vai-se perdendo ao longo do tempo, mas o problema que criou, esse não se altera. Depois há o vento, há o mar, há as rochas, há tudo aquilo que pode existir com dilemas, sem dilemas, é completamente indiferente. Por isto mesmo é que os dilemas são constantes, porque a indiferença não permite a resolução. Tomemos a indiferença como um acto usual, por conseguinte surge o dilema. Coloquemos o dilema como um factor que compreende todas as acções humanas e que aos dilemas se devem as opções. Por último inicia-se um processo de suposto livre arbítrio causado pelo dilema e pela indiferença. A indiferença aparece neste contexto como a impossibilidade de desfazer o dilema. A indiferença ligada à impossibilidade. Porque se a competência fosse a necessária, os dilemas deixariam de existir e o livre arbítrio perderia o seu sentido.
-Olá. – Cumprimentei.
-Olá. – Volveu com um olhar intenso, de um brilho incessante.
-Sentes-te sozinha? – Perguntei, procurando uma razão para tudo aquilo que imaginei no momento mais longo da minha existência.
-Sozinha no meio da multidão. – Respondeu secamente.
Senti-me quadrado naquele momento, senti que por momentos fazia parte da multidão.

domingo, 23 de março de 2008

sábado, 22 de março de 2008

Lost in translation.




Mudo, transparente e invisivel. Indiscritivelmente belo. Cheio de sentido com bastante imaginação. Obrigado Sofia Coppola. Melhor argumento era complicado.

Entro no quarto.

Entro no quarto, o meu cheiro. Dispo-me e fico de tronco nu. Apesar do frio, não penso nas consequências. Gosto de olhar para o meu corpo, por mais insignificante, magro e inútil que seja. Ligo a aparelhagem, muito baixinho, porque está tudo envolto em duros pesadelos e não querem que tudo se destrua ao menor som. Os sonhos são o que de mais estranho existe nas nossas vidas. O tempo passa lentamente. Nunca o vi passar tão devagar. Olhei para fora e agarrei a primeira estrela que encontrei. Ainda resistiu levemente, mas por fim soltou-se do céu e veio ter comigo de rompante. Estava ao meu lado, a luz era tão forte, o barulho era tão ensurdecedor que pensei que tudo iria acordar. Mas por mais incrível que pareça, nada mudou. Tudo permaneceu e o céu ficou mais vazio.
Voltei a entrar. Deitei-me tal e qual me encontrava. Desliguei a aparelhagem e adormeci de olhos abertos. Adormecemos sempre de olhos abertos, por mais que tentemos eles nunca se apagam, continuam sempre ligados à espera de uma razão demasiado forte para se desligarem de vez. Voltas e voltas na cama à procura da melhor posição que parece não querer chegar. Futilidade extrema que esta sociedade alcançou, mas regozijo-me por ser dos poucos que ainda pensa no verdadeiro sentido desta merda toda.

terça-feira, 18 de março de 2008

Acoustic !

Obriga-te

Obriga-te, abre a tua mão deixa-me entrar. Vou-te perseguir até tudo me doer, quando te encontrar ficarei feliz. Persegue-me também por favor, não me deixes sozinho. Poderei não ser capaz. Acreditamos um no outro, o que é que pode falhar? Sabes que por vezes uma simples palavra, por mais singela que seja, basta. Mas neste caso não precisas de dizer nada. Eu sinto, sinto como nunca senti. Uma dor fulminante no meu peito, um nervoso miudinho, fico logo sem apetite. Só me apetece deitar e ficar a imaginar o momento. Aquele momento, aquele, tu sabes. Quando finalmente estiver ao teu lado, a sentir a tua respiração, a ouvir as tuas doces palavras, preenchendo devagar aquilo que falta em mim. Tanto que nem imaginas.
Obriga-te, abre a porta e deixa-me entrar. Prometo que nunca hei-de forçar a fechadura, que nunca espreitarei, que o meu lugar é ao pé de ti. Corri tanto, demais. No fim a estrada parecia cambalear, sentei-me. Senti-me artificial, quente, dorido. Com vontade de beber um copo de água como se fosse a ultima coisa neste mundo. Por fim, levantei-me, nada conseguirá retirar-me do caminho que vagueio sem saber. Vá lá abre a tua porta, por favor.

Obriguei-me, vou esperar por ti até quando for tarde demais.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Música de ontem. Música de hoje. Música de amanhã.

Verti a primeira lágrima.

Verti a primeira lágrima. Não consegui suprimir a vontade de estar a teu lado. Música. Voz do Jamie a ecoar por todo o quarto. Acalmei-me, sentei-me na borda da cama, com medo que ela se recusasse a que eu me esticasse. Comecei a soltar os primeiros suspiros de perceber que estamos numa situação altamente improvável. Mas que gostamos os dois disto. Gostamos, admitamos que sim. Muito até, quiçá demais. No entanto tenho medo, medo que isto possa não dar certo, o que foi construído em mim, se desmorone de repente. Não quero, não quero, não posso desperdiçar isto, é demasiado valioso.
Gritei com o Jamie, “I feel fine!”. Pois, só podia estar contente e tinha de estar, era imperial. Confiança, confiança em mim e em ti é tudo o que peço. Não tenhas receio, inevitável será aquele momento. Deixa o coração prosseguir como ele bem entende. Não o reproves, não o censures, deixa soltar aquilo que ele quer que se solte. Adivinha que quanto mais penso nisto, mais tenho vontade de entender. Mas não quero entender, pela primeira vez, sim pela primeira vez, estou a ser guiado por algo superior a mim que não consigo controlar. Algo estranho, significado constante mas despercebido. Também não pretendo descobrir, é o que neste momento menos quero.
Voz, piano, violino, cada vez mais alto, cada vez mais fabuloso. Não sei como tudo no meu quarto permanece inactivo perante esta beleza musical. Se calhar estão estupefactos. Eu não, mexo-me como se não houvesse amanhã, aliás nem penso no amanhã. Porque amanhã não vai ser o dia. O dia. O dia! Chegará mais tarde, chegará quando tiver que chegar.
Por fim, lá me estiquei, afinal a cama não se recusou, cedeu ao mais simples movimento. Certamente, maravilhada com o que estava a ouvir e nem quis recusar. Não teve vontade. Sorri, finalmente. Estava tudo a correr como queria, sem recorrer a qualquer plano. Um plano não serve para nada, atrapalha os sentimentos.
E lá continuei a divagar. Com o pensamento fixado em ti, com a minha mão bem segura na tua, com a minha cabeça encostada à tua.

Cai o pano.

Cai o pano. Acende-se a luz que é a palavra, iluminando o pensamento. Não luz que ofusca, não precisamos dessa luz. Não deixar que as trevas se apoderem do mais belo, do mais precioso, que a luz brote incessantemente, que essa luz possa unir contrastes, que essa luz possa significar equilíbrio. Não deixar que os radicalismos se apoderem do mais sensato pensamento. Basta! Basta do que oprime, basta de tudo aquilo que engana, apenas uma palavra: Basta!
Quererás viver no mundo? No mundo que desde sempre se habituo a radicalismos? Ah! Deixar que a luz ilumine esses assassinos mentais.
Intransponível sensação de impotência que se apodera de mim. Estranho pensamento que coloca tudo em questão. Não deixarei que o mais fraco engano se torne maior que a própria virtude, que ela continue viva, buscando suspiros que gritem e luzes que iluminem.
Tentar que tudo não passe de um sonho, que acordar resolverá tudo. Mas isso não acontecerá, por mais que tentemos as palavras não chegaram e o medo ocupará o lugar da acção. Mas que medo é este? Que medo irracional se apodera das nossas mentes?

Cai o pano. Apaga-se a luz que é a palavra.