quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Às Vezes Nem Quero

Eu ontem caí e esqueci-me de levantar. Ainda hoje continuo caído precisamente no mesmo sítio. Nem um passo para trás nem um para diante. Nada. Queria ficar ali a espreguiçar-me e a sentir-me vivo. Por acaso é das coisas que menos tenho sentido, vida. Às vezes apetece-me fechar os olhos e quando os abrir ser amanhã ou outro dia qualquer, este é que não. Às vezes apetece-me viver o amanhã, começar de novo a partir do futuro. Reviver momentos que me empurraram para ser quem sou. O problema crucial é que para além de não ter um claro ponto de vista (nem claro nem escuro) sobre quem sou, não sei se fui vagueando em vez de aos tropeções. Não fui empurrado de certeza, vagueei até encontrar um caminho cheio de ambiguidades.
Às vezes, quase sempre, não quero atender o telefone. Quero que ele se aborreça a tocar para os ares, a ficar mudo de repente como se finalmente percebesse que ninguém o quer atender. Mas rezo para que depois não comece a lacrimejar. Mais barulho portanto e eu enraivecido, deixo escapar a mão e atendo. Um blá blá blá do outro lado que não entendo e sinceramente nem quero entender. Atendi sem querer. Olhei para o espelho meio de lado, como se olhasse para outra pessoa. Desliguei prontamente com monossílabos incompreensíveis para mim, mas que decerto compreendidos do outro lado, porque desligaram sem mais demoras. Desliguei-o da ficha, queria ver se um blá blá blá sem intenção voltaria a incomodar-me. Na realidade passaram-se segundos, minutos, horas sem que aquele horroroso toque impertinente e inadequado voltasse a transformar o silêncio tão natural, num ruído ensurdecedor.
Às vezes, quando somos crianças, temos sonhos praticamente inalcançáveis (mas não impossíveis) que gostaríamos certamente que fossem bem sucedidos. Esquecemos no entanto, por ignorância óbvia da falta de maturidade, do esforço que é necessário despender para o conseguir alcançar. Finalmente, numa fase mais avançada da nossa vida, acabamos por compreender as montanhas de trabalho que são necessárias. Como consequência directa, entristecemos ao som de qualquer música que diga precisamente o contrário. Depois modificamos rapidamente o patamar do nosso sonho e colocamo-lo um pouco mais abaixo na escala da possibilidade. De um momento para o outro, tudo parece fácil e a decisão está tomada. Amanhã será o primeiro dia na busca incessante por esse sonho.
Eu pelo menos tenho todo o tempo do mundo.

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